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Um pouco sobre observar

Por estes dias me bateu uma vontade de usar novamente a câmera com a qual aprendi a fotografar. Queria recordar aquela sensação e estava curioso pra saber o que poderia sair 14 anos depois que usei uma Zenit pela última vez. A experiência é parecida com abdicar de qualquer carro fabricado atualmente e voltar a dirigir um Lada ou Niva. E pode ser tão ruim quanto. Justamente pela qualidade dos produtos que eram produzidos na União Soviética.

Então, busquei na internet, comprei uma usada, e a câmera chegou com o fotômetro quebrado. Pelo preço que paguei resolvi dar um pulo na 7 de abril para ver se tinha reparo. Andando pela região lembrei do meu pai comigo lá pela primeira vez. Íamos de loja em loja, naquela época, procurando artigos para revelação de filmes e equipamentos em geral. No começo, não tínhamos conhecimento algum do ramo. Como todo bom pai, ele estava lá porque eu havia colocado na cabeça que queria aprender a fotografar. E à medida que perguntávamos sobre o preço dos equipamentos surgia um espanto.

(....) Geralmente, erramos muito em não observar o próximo. Somos egoístas demais para pensar em suas necessidades. As pessoas nos dizem muito sobre seus anseios apenas pelo modo que andam ou pela postura que têm ao esperar o elevador (...)

Não entendíamos como um papel ou tanque de revelação pudessem ser tão caros. Passamos o dia todo, entrando e saindo de lojas, pesquisando e pechinchando os menores preços. Havia algo bom nesta experiência: toda vez que eu entrava num lugar daqueles mais eu me surpreendia com aquele universo: observava câmeras de todos os tipos, objetivas de todos os tamanhos, sentia o cheiro de mofo de alguns lugares, as cores, as texturas. Conheci pessoas experientes e fotógrafos do país todo. Ouvia aqueles termos técnicos e nem imaginava o que significavam, porém lá estava eu 100% atento. Mas os tempos mudaram, não é verdade? O que é um negativo? Um tanque revelador? Kodak? Pergunte a qualquer adolescente, dificilmente ele saberá responder. Então o que sobrou da rua 7 de abril ou da Conselheiro Crispiniano? Fatalmente, pouca coisa. Não que não encontremos mais lojas especializadas. Mas o número é menos da metade que havia. Talvez, a situação não seja tão feia quanto o que aconteceu com a Kodak, que, em 2007, demoliu 100 prédios de seu complexo industrial - alguns deles de forma tão espetacular que protagonizou a maior demolição já ocorrida no hemisfério ocidental. A ruina do império do filme ceifou os empregos de cerca de 60.000 pessoas em todo o mundo. Na 7 de abril, pelo contrário, os prédios continuam em pé. Mas dia após dia estão sendo esvaziados. Alguns lojistas, assim como os empresários da Kodak, não acompanharam as mudanças culturais e tecnológicas. Esse fato é conhecido e detalhadamente estudado no mundo todo. Se tornou um dos cases de maior insucesso já vistos. Exemplo de uma empresa que não teve a sensibilidade de observar as mudanças que o digital poderia gerar.

Sim, a sensibilidade. A mesma que te coloca como um observador atrás de uma câmera e é imprescindível aos grandes fotógrafos. Mas que também é essencial para as demais profissões. Muito mais do que extrair um bom retrato de um lugar simplório, um grande fotógrafo tem a capacidade, por meio da observação, de captar traços de personalidade. E porque isso é importante? Bem, começando pelo fato de que a maneira como vão lembrar de você pode proporcionar futuramente uma boa oportunidade de trabalho. Esse é o grande motivo porque muitos fotógrafos de jornal não conseguem migrar pra outras áreas de atuação. Pois eles não se preocupam em como estão sendo vistos pelas outras pessoas enquanto estão trabalhando. Não há preocupação de criar um ambiente agradável para extrair uma boa foto. São friamente objetivos em capturar uma imagem para logo em seguida transmiti-la. É o que exige o trabalho no jornal que está ficando cada vez mais voraz por conta da internet, induzindo os profissionais a terem comportamentos grosseiros e até ofenderem seus colegas. Ter sensibilidade muitas vezes é se colocar no lugar do próximo. É imaginar o mundo como ele sente e vê. Se importar com suas necessidades para oferecer o melhor. Foi num dia destes numa visita a um buffet que tive esta constatação. Era uma reunião para saber sobre o cronograma de um almoço que eu iria fotografar. Então, o pai do noivo, Paulo Skaf, uma personalidade conhecida e importante na sociedade brasileira, num grande exercício de sensibilidade e observação andava pelo espaço e analisava tudo sob a perspectiva dos convidados. Ele simulava como as pessoas passariam pelo portão de entrada e como caminhariam ao local do almoço, podendo desfrutar do jardim, do lago e árvores. Assim, de maneira prática eram decididos os detalhes do evento. Pode parecer banal, mas marcas do mundo todo gastam milhões estudando como, por exemplo, os clientes se comportam dentro de suas lojas. Ou como usam determinado produto. Isso pode ajudar a antecipar suas necessidades e aumentar suas vendas. Na fotografia, pode auxiliar a prever um abraço, um choro, em suma a captura de um momento único, além disso ajuda a como se dirigir à pessoa, quais palavras usar para extrair um belo retrato sem que se sinta desconfortável. Observadores aguçados estão sempre aprendendo com o mundo. No decorrer dos anos a fotografia me ensinou a necessidade de ser versátil. Somente observando o mundo ao redor podemos prever mudanças e nos preparar melhor. É como sair para um evento externo e de repente uma chuva mudar tudo. É como saber a palavra certa ou simplesmente fechar a boca na hora que um cliente ou uma noiva ansiosa muda de humor. Muitos profissionais não conseguem fotografar casamentos, pois não conseguem entender a ansiedade, estresse, nervosismo da noiva. Ora, pra uma mulher aquele não é o maior momento de sua própria vida? É assim que se sentem. Desde pequenas sonham com isso. Entendendo fica tudo mais fácil. Deixamos de nos afetar e ver as coisas pelo lado pessoal. Nossas experiências nos tornam observadores melhores. Passei por eventos bizarros, estive em lugares perigosos onde há miséria e sofrimento. Outras vezes estive em espaços lindos, glamorosos, jantares com autoridades, desfiles de moda. Nem sempre estive com uma câmera na mão. Pela vida já acordei de madrugada pra descarregar mercadoria em supermercados, já entreguei panfletos na rua, já injetei tinta em cartuchos de impressoras, já organizei estoque em uma fábrica, entre tantas outras atividades. Em todo lugar que passei vejo como é importante o simples exercício da observação e como esse dom inato me ajudou sem que eu pudesse perceber. Se a Kodak estivesse um pouco mais atenta às mudanças do mundo, talvez não estivesse praticamente arruinada hoje em dia. Ou se os lojistas da 7 de abril estivessem mais vigilantes às necessidades dos fotógrafos que entravam e saiam de suas lojas, talvez não tivessem falido.

(...) Mas os tempos mudaram, não é verdade? O que é um negativo?

Um tanque revelador? Kodak? Pergunte a qualquer adolescente, dificilmente ele saberá responder (...)

Geralmente, erramos muito em não observar o próximo. Somos egoístas demais para pensar em suas necessidades. As pessoas nos dizem muito sobre seus anseios apenas pelo modo que andam ou pela postura que têm ao esperar o elevador. Casamentos, por exemplo, são assolados pelo simples fato de que o marido já não observa mais a esposa e vice e versa. Obviedades muitas vezes passam despercebidas. Não foi observando o mar que o homem constatou a terra ser redonda? Hoje em dia é um fato tolo, mas na época foi responsável por quebrar paradigmas enormes, um divisor de águas que impulsionou a descoberta de novos continentes. Grandes mestres em suas artes foram em primeiro lugar observadores atentos e sensíveis. Não se diz que Ayrton Senna só de bater o olho no carro já sabia que mudança deveria fazer para melhorar seu desempenho? Não conta a história que Musashi Miyamoto, o maior samurai de todos os tempos, ao observar a habilidade de seu oponente abandonou a espada e usando um remo de madeira que viu jogado no chão o derrotou? Esses são exemplos claros de que a observação pode ajudar em todas as áreas da vida. É o convite que faço a todos. Eu de repente resolvi ver o mundo novamente com os olhos de um menino de 14 anos. E acabei vendo muito mais do que poderia imaginar. É enriquecedor. É um exercício que nos coloca numa posição muito favorável, evitando falências e desventuras. Só para constar, minha Zenit estará pronta ainda esta semana. Curiosos? Mostrarei as fotos assim que puder.



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